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BOA GOVERNANÇA E SAÚDE EMPRESARIAL DAS STARTUPS

24 Outubro 2018/ E,M Startups/ COMERCIAL, CONTRATOS E INTERNACIONAL, INOVAÇÃO E STARTUPS, SOCIETÁRIO, SUSTENTABILIDADE

Fundadores devem se preocupar em formalizar todas as regras e premissas que deverão pautar a relação com detentores de participação societária


Eduardo Felipe Matias e Rogério Agueda Russo*, O Estado de S.Paulo

24 Outubro 2018 | 15h50


Estabelecer regras que garantam uma boa governança é algo essencial para o sucesso de uma startup. Muitos empreendedores, no entanto, ao se concentrarem em outros aspectos igualmente importantes de seus projetos, deixam de dar a devida atenção a essa questão, o que pode afetar gravemente o futuro de seus negócios. Planejamento e prevenção podem se revelar o segredo de uma vida longa para muitas dessas empresas.

Essa realidade ficou comprovada em levantamento recente realizado pelo escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados (NELM), denominado Panorama Legal das Startups, cujo objetivo era mapear as principais preocupações e dificuldades jurídicas enfrentadas por aqueles que empreendem e investem nesse ecossistema.

Quando questionados sobre quais seriam os maiores motivos de fracasso dos negócios dos quais participaram, 67% dos empreendedores acreditam que a principal razão tenha sido o desentendimento entre sócios sobre questões não definidas contratualmente.

Além disso, verificou-se que 54% dos investidores enfrentaram alguma espécie de impasse societário com os fundadores da sociedade na qual aportaram capital, sendo que 46% deles disseram que seu principal problema foi a incompatibilidade com os fundadores especificamente na gestão da startup investida.

É, no entanto, perfeitamente possível prevenir o surgimento de impasses entre os detentores de participação societária, assim como estabelecer soluções previamente em contrato.

Para isso, os fundadores de uma startup devem se preocupar em formalizar todas as regras e premissas que deverão pautar a relação entre eles. Isso deve ser feito desde o início do projeto, por meio de um Memorando de Entendimentos (MOU, na sigla em inglês) e, caso este evolua de forma positiva, por meio dos atos constitutivos da sociedade (contrato social ou estatuto) e de um acordo de sócios (ou de acionistas, nas sociedades anônimas).

Este último instrumento é essencial para a governança da empresa. Mas quais seriam os pontos que merecem ser nele tratados? Quando solicitados a assinalar três alternativas de respostas para essa questão, a imensa maioria dos investidores (92%) defendeu a utilidade do acordo de sócios para estabelecer regras relacionadas a futuros aportes, lock-up, retirada de sócios, obrigação de venda conjunta de participação (drag along), direito de venda conjunta de ações (tag along) e avaliação do valor das participações.

Em segundo lugar, para 69% dos investidores, o acordo se justificaria pela definição de regras relacionadas à captação de novos investimentos de terceiros e diluição de participações. E, em terceiro, duas alternativas foram assinaladas pelo mesmo percentual de investidores (46%): a necessidade de se prever disposições sobre a distribuição dos resultados e reinvestimento dos lucros, e a de se adotar regras de governança, como aquelas relacionadas ao exercício do direito de voto e veto nas deliberações sociais.

A definição desses pontos não é importante apenas por estarem relacionados a uma estrutura de governança sólida, que, acompanhada de uma boa gestão por meio da aplicação de controles internos mais efetivos, melhora o desempenho e os resultados da sociedade, aumentando seu valor e a tornando mais atraente para potenciais investidores. É útil, também, porque ajuda a prevenir desentendimentos que, como apontando no levantamento tanto por empreendedores quanto por investidores, podem levar a startup ao fracasso.

Sem a contratação de disposições desse tipo, as relações entre os sócios serão regidas apenas pelas regras previstas na legislação que, embora assegurem e imponham determinados direitos e obrigações, muitas vezes não são suficientes para a resolução dos mais variados itens motivadores de desentendimentos que acabam por gerar, em último caso, procedimentos arbitrais ou ações judiciais.

Considerando o grau de complexidade que a governança de uma sociedade pode atingir, é essencial consolidar determinados entendimentos entre os sócios por meio da adoção de regras específicas que reflitam o combinado entre eles, especificando direitos, impondo obrigações e estabelecendo como tratar eventos e intercorrências que venham a surgir a qualquer tempo. Um acordo de sócios pode ser uma arma eficaz para evitar disputas baseadas em temas que, caso tivessem sido oportunamente contratados, retirariam a legitimidade de uma potencial ação judicial. E, quando assim mesmo esses litígios ocorrem, a existência de regras claras sobre a forma como a sociedade deve ser gerida ajuda a resolvê-los mais rapidamente.

Em uma das questões do levantamento que tinha por objetivo avaliar o grau de consciência das startups sobre a importância de se contar com assessoria jurídica nas diversas fases do negócio, 57% dos empreendedores afirmaram que a formalização de entendimentos entre os fundadores por meio de um acordo de sócios justificaria a contratação de um advogado. Apesar desse reconhecimento, o levantamento mostrou que menos da metade dos empreendedores (46%) possui acordos de sócios assinado, o que talvez explique o alto percentual de disputas societárias relatadas.

Muitos conhecem a doença e a possível cura, mas resistem em seguir as recomendações dos especialistas. Porém, da mesma forma como na medicina a prevenção é o melhor método para se evitar, no futuro, o surgimento de enfermidades que poderiam ter sido evitadas, no Direito há medidas que podem ser adotadas de antemão para garantir uma melhor saúde para a empresa.

Portanto, desentendimentos podem comprometer os resultados e até a própria sobrevivência de uma startup. Empreendedores e investidores devem sempre procurar mitigar o risco de conflitos, regulando interesses e esclarecendo os papéis e atribuições de cada parte e estabelecendo previamente as regras a serem observadas no decurso da vida da empresa, protegendo-a de um fim prematuro. Prevenir, também nesse caso, é sempre o melhor remédio.

*SÓCIO DO NELM ADVOGADOS, DOUTOR EM DIREITO INTERNACIONAL PELA USP; E ASSOCIADO DO NELM ADVOGADOS, MESTRANDO EM DIREITO COMERCIAL PELA PUC-SP


Artigo publicado originalmente em 24/10/18 no jornal O Estado de S. Paulo.

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