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ARTIGO VALOR ECONÔMICO: STARTUPS E O PAPEL DO ESTADO

27 Setembro 2018/ E,M Startups/ INOVAÇÃO E STARTUPS

Por: Eduardo Felipe Matias

O empreendedorismo pode contribuir para o crescimento econômico, em um momento em que o País é castigado pelo desemprego. Startups tendem a originar inovações tecnológicas, que poderiam ajudar a vencer importantes desafios atuais de nossa sociedade. Apesar disso, predomina a percepção de que o Estado brasileiro não vem cumprindo sua função em estimular negócios de caráter inovador.

Levantamento recente (“Panorama Legal das Startups”, disponível em www.startups.nelmadvogados.com) mapeou as principais dificuldades enfrentadas pelas startups no Brasil, por meio de questões práticas voltadas a empreendedores e investidores, algumas delas focadas no que estes esperam do poder público.

Ao serem convidados a escolher três alternativas de uma lista de ações por meio das quais o Estado colaboraria para promover o empreendedorismo inovador, a opção mais citada, escolhida por 70% dos empreendedores e 77% dos investidores, foi a adoção de novas leis de incentivo fiscal voltadas ao setor, o que mostra que as legislações existentes – como a chamada Lei do Bem – são consideradas insuficientes.

Na mesma questão, a segunda opção mais escolhida pelos investidores, com 62% das respostas, foi a necessidade de desenvolver novas modalidades de investimento em startups. Isso também foi ressaltado em outras partes do mapeamento. Quando perguntados sobre os motivos que os fizeram pensar duas vezes antes de apostar em uma startup, 77% dos investidores mencionaram os riscos gerais do negócio, que poderiam atingi-los. A segunda alternativa mais assinalada, com 46% de respostas, foi o desconhecimento das modalidades mais adequadas para a realização do investimento em cada circunstância.

Lidas em conjunto, essas respostas indicam que o ecossistema das startups se beneficiaria tanto da difusão de informações sobre formas de investimento que garantam maior proteção a potenciais investidores quanto do desenvolvimento de novas formas que atendam esse pressuposto – e, nesse sentido, o levantamento indica que algumas modalidades há pouco reguladas, como o equity crowdfunding, parecem fazer mais sucesso do que outras, como o chamado Contrato de Participação para investimentos-anjo, ainda pouco utilizado.

Essas iniciativas possibilitariam aumentar a base e o apetite de investidores, ampliando o capital disponível para as startups e impulsionando uma onda de empreendedorismo no País. Esta ajudaria a reduzir o desemprego, seja pela geração direta de oportunidades, seja, indiretamente, pelo fato de o empreendedorismo ser um grande motor de inovação – é bem mais provável que ideias inovadoras tenham origem em empresas nascentes do que em empresas estabelecidas que já dominem determinado setor. Ora, a inovação, por sua vez, normalmente leva à introdução de produtos e serviços inéditos e à formação de novos mercados, muitos deles fundados em conceitos também inovadores, como o da economia compartilhada. Por isso, se por um lado a inovação tecnológica ceifa postos de trabalho quando a automação provoca a substituição de pessoas por máquinas – mais um acontecimento que demanda a atuação do Estado, ao qual cabe reforçar a rede de proteção necessária para amparar a massa de desempregados que decorrerá do inevitável avanço dessa tendência –, por outro lado, paradoxalmente, ela acaba criando novas ocupações.

Outra conclusão relevante do levantamento decorre da terceira alternativa mais citada tanto por empreendedores quanto por investidores na questão sobre o papel do Estado. Quase 40% de ambos grupos responderam que o desenvolvimento de marcos regulatórios para atividades sobre as quais a legislação é omissa fomentaria o empreendedorismo. Esse entendimento é reforçado pelos 30% de investidores que afirmam que a inexistência de regras específicas para o segmento de atuação de determinada startup é um fator que os inibe a investir.

Contornar esse tipo de insegurança jurídica, no entanto, não é tão simples. Não só porque o pedido por regulação adequada nem sempre é conciliável com o desejo de que esta não venha a dificultar ainda mais os negócios, mas também pela própria natureza do Estado. Várias startups se baseiam em modelos de negócios disruptivos e nem sempre é possível enquadrá-las a legislações vigentes. É difícil esperar que o poder público consiga acompanhar o ritmo das mudanças trazidas por essas empresas, principalmente quando se sabe que o tempo político – aquele do processo democrático e da produção das leis – é bem distinto do tempo econômico, que dizer então do tempo tecnológico nesta nossa era de crescimentos exponenciais.

Dois últimos pontos relacionados às atribuições do Estado merecem atenção. O primeiro, lembrado por 20% dos empreendedores e dos investidores, é a adoção de regimes mais favoráveis a produtos e serviços inovadores nas contratações e compras governamentais. Esse tipo de política é determinante, ao garantir escala e a consequente redução de custos de produção para startups que, sem isso, teriam dificuldades de competir no mercado e veriam suas ideias perecer. Muitas dessas empresas são negócios de impacto baseados em tecnologias inovadoras voltadas a atacar grandes problemas socioambientais da atualidade, como aqueles relacionados a mobilidade, crédito, saúde, moradia, poluição e clima. Daí a importância de o Estado entrar em campo para assegurar que essas soluções encontrarão condições iniciais que permitam sua viabilização.

Por fim, merece destaque a necessidade de educar para o empreendedorismo, alternativa escolhida por 34% dos empreendedores e 23% dos investidores quando perguntados como o poder público poderia contribuir para o ecossistema da inovação. O sucesso de algumas medidas aqui descritas depende da formação de uma ampla base de cidadãos dotados de iniciativa e capazes de pensar criativamente e inovar. Sem isso, a desejada criação de incentivos para o empreendedorismo, por exemplo, pode acabar se mostrando infrutífera. E, se a inovação tem o efeito positivo de gerar novos tipos de trabalho, estes demandarão competências e aptidões diferentes daquelas hoje possuídas pela maioria das pessoas. Surfar essa onda depende, portanto, de investir pesado em capital humano, treinando e educando a população para a nova revolução industrial em andamento, mais uma das missões fundamentais do Estado.

Eduardo Felipe Matias é sócio de NELM Advogados, duas vezes ganhador do Prêmio Jabuti com os livros “A humanidade e suas fronteiras” e “A humanidade contra as cordas”, coordenador do levantamento “Panorama Legal das Startups”.

 

Artigo publicado originalmente em 27/09/18 no jornal Valor Econômico, p. A14. Visualizar: link 

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